quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Carta

Camarada:

O corpo do amor é como
a chuva, que tem caído abundante
e sem parar. Liquidamente
navega pelas ruas, em certas
horas talvez mais musical.

Se falo do amor, não pense
logo que falo do que sei,
ou do que vi. O que vi, e tenho
visto, é só a chuva, concreta-
mente em Lisboa e arredores.

Se a comparo ao amor, é uma
figura: porque a terra se abre,
o rio corre mais veloz, e mansa-
mente pode pensar-se em invisíveis
caravelas a singrar nos charcos,

pelas margens dos passeios,
afundadas pelos carros a passar.
Camarada: o corpo do amor
é como a água, nomeada-
mente a que pinga dos beirais,

e me recorda como brilha nova-
mente o sol sobre Lisboa (e nos subúrbios),
em Fevereiro, a vinte e um do zero seis.