sexta-feira, março 03, 2006

Alhos e cebolas

É o que leva no regaço a jovem
rainha inconformada, belíssima
no susto que a conduz. Na pele
aveludada traz ainda o lastro
do calor do leito, a memória sensível
das mãos do seu senhor – volúveis,
inconstantes, masculinamente
veementes no direito de a tomar.
Incontestável será esse direito.
Obediente talvez, como previsto
nos livros de registos, mesmo se
a memória é ainda a de um combate
a que, sem saber como, se entregou.
Agora foi à caça, o seu senhor e rei,
entre o estrondos das buzinas e o latir
da matilha ao grito dos peões.
Ágil, entre os seus. E ela caminha
na manhã da terra, desenhando
sozinha o seu roteiro que não passa
pelos caminhos que ele lhe der.
Apenas que ele lhe der. Um aroma
de rosas - a mão abre o regaço
e lento o sol penetra nas hortas
e pomares. Em nuvens de poeira,
o rei segue o veado. Oculta na
folhagem, a jovem corça sabe
que irá morrer no mar.