quarta-feira, maio 24, 2006

Em Lisboa, sobre o mar

vi chegar navios. Atravessavam
a sombra dos guindastes, majestosos
e lentos a entrar no cais. Vi,
na outra banda, a curva dos montes
e antigas fogueiras traziam mensagens
de Almada ao castelo, cercados
os homens de histórias de mar.
Vi chegar ao longe um canto
em surdina, cruzava um veleiro
na margem de cá. Planando,
o comboio na praça do Império,
rosáceas nos vidros, os claustros,
as cordas, os túmulos brancos
à beira do rio, entre bicicletas,
pontes de madeira com homens
suspensos face ao estuário
da margem de lá. Tão largo é
o dia! O amor tão fácil! Tão perto
o mar alto, abertas as rotas de anis
e coral! Contigo me irei
nas barcas antigas ao cabo
do mundo, seguindo as baleias,
atrás dos golfinhos. Vi uma gaivota
que veio de lá.

Em terra um mastro indica o caminho
dos piratas. Ao nascer do dia rumaram
a norte, atravessando hortas e pomares
com a pressa furtiva de quem está
meramente de passagem.

Tão breve é a noite! Tão branca é
a vela que oscila no rio! Tão fortes
os cabos que prendem na doca
os grandes cargueiros e os rebocadores!
Tenho o amor comigo
e se não tivesse
o rio faria o que eu não fizesse:
abriria os braços, deixando as marés
penetrar na terra, devagar cobri-la
de mar e sargaços. Nas águas
que sobem, cardumes de peixes
minúsculos afagam a margem de lá.

E o lodo enche-se de ameijoas
e berbigão. No espaço, o sabor líquido
da ribeira num horizonte de colinas.