sexta-feira, junho 23, 2006

A clareira

(da série Monstros)

Conta-se que no Cerro da Figueira
uma bruxa tinha por hábito aparecer.
Em noites de lua nova, confundida
com as sombras, entretecia grinaldas
de feitiços, sob o olhar estático
dos mochos e o salto acrobático
das rãs. Oh caldeirões ferventes, monstruosos,
onde as asas dos mosquitos rodopiavam
num caldo insuspeito de hortelã!
Mais diziam que, ao cheiro de enxofre,
das pedras, dos buracos, assomavam,
lagartos, lagartixas, as aranhas,
baratas, centopeias, e uma rola
transviada procurando, em desespero,
uma saída para o vasto céu nocturno
e estelar. A bruxa, impávida, seguia
o seu destino, que era, fatalmente,
o de habitar clareiras, as mais propícias
ao Príncipe das Trevas e à sua corte infernal
de Belzebus. No Cerro da Figueira,
há muito tempo, crepitava o fogo antigo
das histórias, e o seu fumo leve acompanhava,
intangível, inefável, ondulante,
o concerto das cigarras e das rãs.