sexta-feira, junho 30, 2006

Sobre física quântica

Não sei contar as areias do mar.
E no entanto, o infinito é esta estrada
larga, onde às vezes se ouve um pequeno
pássaro cantando na berma. Ou assim
parece. Em frente, o ar vibra, desenhando
um piano de cores. Mais além. O que ficou
para trás, cobre-o a bruma no sopé
dos montes, tão branca e leve como
a renda antiga. Ou a flor da neve.

Não sei contar as estrelas e os cometas.
As partículas de luz. E no entanto,
infinitos astros ardem lentamente
no lago quieto de um único olhar.
Peixes prateados e risonhos, imagino,
habitam as profundezas. Ou graves,
da gravidade lenta das baleias brancas.

As ondas rebentam na praia, a lua,
parece, faz rodar as marés. O infinito
é agora uma nítida ilha, a que nasce da linha
do horizonte como uma miragem.
Incontáveis ilhas. Incansáveis barcos.
Este que agora singra no espaço
curvo, e que se desvia da rota.
Por exemplo, o tempo.

E no entanto, a noite
gira no seu arco perfeito e improvável.
Algures, alguém observa o improvável
céu, em busca dos centauros e da ursa maior.
(na cauda da mais pequena, a estrela polar).
Aqui, de onde o olhar abarca, o infinito
tem a nítida forma de uma abóboda
com janelas. De uma abóboda manuelina
com janelas, cordas e flores exóticas.

Eis, portanto, um mapa e algumas equações.
As que descrevem a lenta subida da seiva
nos caules verdes, no caminho da colina.
As que anotam a água fixa dos glaciares,
ou declinam a neve. Mesmo as transviadas,
interrompidas bruscamente por um erro
de cálculo e de onde os átomos jorram
em cascatas como fontes ao sol.

Repousa simetricamente o claro coração
dos elementos. Conhecemos os seus nomes
um a um. Por exemplo, o ouro (pepitas,
num rio antigo). Num certo sentido,
o infinito é uma escada em espiral na torre
gótica da margem. Um número, enfim, um degrau
mais além. Aqui, debaixo da lua, habitamos
a casa dos limites. E sob o arco perfeito da noite .

Continuaremos a contar as figuras do infinito,
a metê-lo em tubos, quiçá seguindo a pauta
de uma sinfonia barroca para órgão e oboé.
Ao fundo, as nebulosas estendem os seus
braços à velocidade da luz. Medusas, talvez.
Poeira branca. Na margem direita do rio, um
pescador retira uma carpa (prateada) do anzol.
E os peixes do mar.

sexta-feira, junho 23, 2006

A clareira

(da série Monstros)

Conta-se que no Cerro da Figueira
uma bruxa tinha por hábito aparecer.
Em noites de lua nova, confundida
com as sombras, entretecia grinaldas
de feitiços, sob o olhar estático
dos mochos e o salto acrobático
das rãs. Oh caldeirões ferventes, monstruosos,
onde as asas dos mosquitos rodopiavam
num caldo insuspeito de hortelã!
Mais diziam que, ao cheiro de enxofre,
das pedras, dos buracos, assomavam,
lagartos, lagartixas, as aranhas,
baratas, centopeias, e uma rola
transviada procurando, em desespero,
uma saída para o vasto céu nocturno
e estelar. A bruxa, impávida, seguia
o seu destino, que era, fatalmente,
o de habitar clareiras, as mais propícias
ao Príncipe das Trevas e à sua corte infernal
de Belzebus. No Cerro da Figueira,
há muito tempo, crepitava o fogo antigo
das histórias, e o seu fumo leve acompanhava,
intangível, inefável, ondulante,
o concerto das cigarras e das rãs.

sábado, junho 17, 2006

Pwema, 6

Se eu pudesse fazia-te princesa,
rainha dos gatos, madressilva,

encontro à noite numa auto-estrada,
flor de lótus a nascer do sangue.

Ou então ravina de onde a ave presa
do canto voasse à mais alta ogiva,

tomar por sua a lua incendiada
até que o voo interrompesse exangue.

Se soubesse, ao menos se soubesse,
na tua boca um beijo ir acender,

eu fazia-me dança e fazia-me prece,
ou fazia-me chama, rosa do amanhecer,

príncipe da treva que a razão desconhece.
Se soubesse, fazia-te mulher

Bernardo Pinto de Almeida

Ainda sobre o 10 de junho (Dão)

Canta um passarito nas traves do celeiro.
O seu voo interior habita a casa
em ruínas, juntamente com o rasto leve
do cheiro das maçãs. Lá fora, as vinhas
crescem, em carreiras largas e ordenadas
(para a passagem dos tractores). Ordenado
estava que crescessem e se multiplicassem.
Na matriz da terra, ao que parece.

sábado, junho 10, 2006

Efemérides

O preço da pimenta sofreu uma ligeira baixa.
A produtividade a bordo espera ventos favoráveis.
O crescimento económico flutua.
O verão chegou à avenida de Berna.

terça-feira, junho 06, 2006

A a Z


As mulheres loiras e azuis, as mulheres
verdes confundidas na folhagem, as mais
visíveis mulheres-corça, esguias e castanhas,
as mulheres vestidas, as mulheres despidas,
as de longos cabelos rente à água, as róseas
mulheres deitadas, as que se sentam
ao centro e à direita, as que atravessam
incólumes as linhas da perspectiva – viu-as
o olhar do pintor ou pousaram na tela
como pássaros? Entre as tintas,
observam o mundo. E assobiam.

domingo, junho 04, 2006

Epílogo

Sons de música, ao longe.
Adormece, com a noite, devagar.
A cabeça no convés, os pés na água.

quinta-feira, junho 01, 2006

Parte III - Do saque

Tenho a amor comigo e se não tivesse
faria contigo o que eu quisesse:
partia num barco, circum-navegando
à volta de ti. No cabo mais fundo,
as velas ao vento, entrava na barra.
Nem gritos, nem preces te iriam valer.

Ofegante, o corpo deitado na praia
mal saberia indicar a direcção dos navios.